Especialistas defendem leis para restringir o acesso a celular por crianças e adolescentes

Pesquisas apontam, pela primeira vez, taxa de de depressão e suicídio superior a de adultos

Especialistas defendem leis para restringir o acesso a celular por crianças e adolescentes
Escolas têm papel essencial para a limitação do uso de celular

 

Por Paulo Henrique Silva

Rosiane Reis chegava em casa do trabalho e, como ainda tinha que dar conta das tarefas domésticas, a maneira que viu para entreter a filha Gabriela, de 2 anos e 6 meses, era deixá-la usar o celular. “É mais fácil para os pais dar o aparelho para a criança, pois ela vai ficar quieta ali, boazinha, como os pais querem, como um robô dentro de casa. Mas aí a criança não vai mais interagir com a família, não vai brincar, não vai se comunicar. Vira uma criança apática”, registra a especialista em telas, escritora e palestrante.

 

 

Ela lembra que, naquela época, não tinha conhecimento sobre o impacto que o celular estava gerando no desenvolvimento de Gabriela. “Eu comecei a ver que ela tinha se tornado uma criança agressiva, que falava só gritando e cheia de ansiedade. Era um comportamento que vinha do uso excessivo das telas. Aí decidimos zerar, e ela começou a melhorar”, recorda Rosiane, que, a partir dessa experiência, deixou o trabalho num escritório de administração para virar uma “especialista em telas”.

 

Com dois livros que abordam o tema e uma agenda de convites para palestras, Rosiane sempre é questionada sobre qual a melhor idade para se permitir o acesso a celulares e redes sociais. Uma questão que ganhou maior repercussão após seis mães capitanearem, no Brasil, a campanha Desconecta, que veta o uso do aparelho antes dos 14 anos, enquanto a entrada em redes sociais só seria permitida após os 16. Uma “briga” que tem mobilizado também especialistas e escolas.

 

“Não acho interessante, não. Acho essencial”, afirma a neuropsicóloga Licia Assbu, autora da publicação “(Des)conecte-se: Como Se Conectar com o Seu Filho para Ele Se Desconectar das Telas” (Edições 70). “Já estamos colhendo os déficits desse uso indiscriminado, que estão cada vez maiores. Pela primeira vez, a taxa de ansiedade de jovens e adolescentes passou a de adultos. Por quê? O que está levando a isso? A resposta está aí”, alerta, ao falar de uma geração que já nasce praticamente plugada.

 

 

“Deixar o seu filho no celular é a mesma coisa que deixá-lo na rua. Você está deixando-o numa rua sem supervisão, em que ele terá acesso a qualquer tipo de conteúdo”, compara Licia. Rosiane faz outra associação, com a dependência de drogas. “(Tirar o celular) é um processo que não é fácil. É como tirar uma criança de um grau de vício, podendo imaginar o seu filho como um dependente químico. O vício nas telas já é, aliás, comparado com o vício em drogas”, salienta a especialista.

 

Licia é defensora de uma lei para restringir o uso de celulares, fazendo uma analogia com a evolução dos automóveis. “Quando se começou a usar carro, não existia cinto de segurança. Não precisava. Até o momento em que se viu o risco que era e acabar virando lei. Celular é isso. A gente não sabia (de seus perigos), não havia esse mundo das telas, da internet. Quando aprendemos a usar, percebemos que estava na hora de colocar esse ‘cinto de segurança’”, sublinha a neuropsicóloga.

 

Mas Licia avisa: “Precisamos de leis e, acima de tudo, pais. Não é só proibir. Enquanto pais, temos uma responsabilidade ainda maior, porque é muito fácil substituir a relação pelo uso do celular. Quero sair para almoçar fora e entrego um celular na mão do meu filho para que eu possa ficar almoçando tranquilamente, conversando com meu marido, porque meu filho está entretido. Só que estou perdendo uma oportunidade de me relacionar ali enquanto família, de estarmos todos juntos”.

 

 

“Ao mesmo tempo em que o celular nos leva para longe da relação, o contrário também é verdadeiro. Quando a gente investe em se relacionar, em estar presente e conversar com nossos filhos, em ter esse tempo de qualidade e de criar essa conectividade com eles, não só o celular vai entrar mais como coadjuvante, sendo mais fácil colocar esses limites, como também em qualquer coisa que acontecer ali você é a referência para seu filho. Se ele tiver alguma dúvida, ele irá até você. Isso é essencial”, destaca Licia.