MG registra mais de 3 mil estupros de crianças e adolescentes por ano

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 70% dos abusos no país ocorrem na casa da vítima.

MG registra mais de 3 mil estupros de crianças e adolescentes por ano
Foto: Luis Lima Jr/FotoArena/Estadão Conteúdo

Por MG1, 

O abuso sexual de crianças e adolescentes é um crime que vem chamando a atenção em Minas Gerais devido ao aumento no número de casos. Segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), nos três primeiros meses de 2024, foram registrados 789 estupros de vulnerável, ou seja, quando a vítima tem até 14 anos. Em todo o ano de 2023, foram registrados 3.420 estupros e em 2022, foram 3.133.

Já em Belo Horizonte, de janeiro até o momento, foram 80 registros para o crime. Em todo o ano passado o número de casos chegou a 436, e, em 2022, foram 357 registros de estupro de vunerável na capital mineira.

Segundo a juíza da Vara Especializada em Crimes Contra A Criança e o Adolescente do TJMG, Herilene de Oliveira, a estatística dimensiona a criminalidade, mas não consegue traduzir a dor das vítimas dessa violência física e emocional. Quem sobrevive, nunca esquece.

“O abuso consiste em violar a integridade física ou psicológica da criança e do adolescente. É violar sua dignidade sexual, seja através de toques, seja fazendo com que a criança e o adolescente toquem o autor do crime. Então é muito importante que o familiar, o representante legal saibam identificar uma mudança de comportamento na criança e no adolescente”, disse.

'Eu achava que era minha imaginação'

Uma mulher, que preferiu não se identificar, contou à TV Globo que foi vítima de abuso sexual quando pequena e viveu durante anos com as imagens da violência na cabeça. No entanto, manteve a experiência tão abafada em sua mente, que as lembranças não lhe pareciam cenas reais, mas houve um momento em que tudo veio à tona.

“Eu achava que era minha imaginação e eu me sentia suja. Eu tinha nojo de mim. Eu odiava espelho porque eu olhava para o espelho e via um monstro. Quando minha filha foi pra creche aconteceu que um dia, como se fosse um gatilho do acontecimento. Um homem iria cuidar dela e isso me fez lembrar de tudo, reviver todo aquele acontecimento, como se fosse naquele momento que tivesse acontecendo, foi como se eu estivesse sentindo acontecer’", contou.

O anuário mais recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostrou que a casa da vítima é o local onde a maioria dos abusos acontece, com 72,2% dos registros. E em 71,5 % dos casos, o estupro é cometido por um parente: pais e padrastos representam 44,4% dos agressores.

'Sempre me achei culpada'

Outra mulher, também sobrevivente de abusos, que prefere não ser identificada, contou à TV Globo que foi molestada durante anos pelo padrasto. Conta que foi possível voltar a sorrir depois de muita terapia e acompanhamento psiquiátrico. No entanto, no passado o sofrimento a levou à lugares sombrios. Hoje, ela faz parte de um projeto social que ajuda crianças e adolescentes vítimas de violência e afirma que falar do passado ainda dói, mas também liberta.

"Por estar no limite, eu tive que descontar em outras coisas e eu comecei a descontar em mutilação. Então eu sempre me machucava, porque eu sempre me achei culpada de ter deixado ele fazer o que ele fez. A professora notou alguma coisa de estranho, chamou a minha mãe e perguntou pra ela se aconteceu alguma coisa, e minha mãe obviamente negou", contou.

Sinais de abuso

Segundo Ana Carolina Zambom, promotora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Educação, às vezes é no ambiente escolar que os sinais do abuso aparecem.

"Todos na escola têm que estar qualificados pra identificar os sinais de que uma criança está sofrendo abuso, trabalhar com situações de risco e trabalhar a prevenção, conscientizando as crianças dos limites do proprio corpo. Daquilo que pode e daquilo que não pode. A gente tem trabalhado buscando essa qualificação pra que a revelação espontânea tenha um acolhimento adequado, escuta adequada e encaminhamento correto para os órgãos de segurança pública", explicou.

Rede de proteção

Em Belo Horizonte, há uma rede que trabalha para que a responsabilização desses criminosos seja feita o mais rápido possível. Segundo Herilene De Oliveira, juíza da Vara Especializada em Crimes Contra a Criança e o Adolescente (VECCA), todas as comarcas do estado contam com equipes multidisciplinares, para que o judiciário julgue esses casos com a maior celeridade possível.

"Os crimes sexuais prevêm penas bem grandes. Nesse caso, são penas exacerbadas porque se trata da violação da integridade sexual. Por exemplo, o crime de estupro, ele prevê pena de reclusão de 8 a 15 anos, sendo que a pena pode ser exasperada, por exemplo, se for praticado no ambiente familiar. Porque tem uma qualificadora que o agente pôde usar desse ambiente pra cometer esse crime tão grave", explica a juíza.

A lei em vigor determina que o abusador seja retirado do convívio da criança, mas a Luana Magalhães, subsecretária de direitos de cidadania da Prefeitura de BH, explica que há casos em que as vítimas é que precisam ser afastadas das famílias. São medidas extremas, mas necessárias em muitos casos, para evitar novos abusos.

"Às vezes uma avó, uma tia que possa acolher ou até mesmo para os casos de adoção. Quando isso é viável, essas crianças e adolescentes são encaminhados para essas possibilidades, mas infelizmente, quando não é possível, a gente mantem o acolhimento institucional até que ele possa ter plenitude de vida", disse.

Para a pesquisadora e integrante do Fórum brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Ludmila Ribeiro, o problema tem raízes estruturais profundas, que precisam ser discutidas com a sociedade.

"Eu acho que a partir do momento em que a gente começar a ter uma educação que fale mais sobre como abusar de um corpo, sobretudo um corpo infantil, um adolescente, é um crime, talvez a gente não tenha mais esse tipo de comportamento", ressaltou.

Dia Nacional de Combate ao Abuso

O dia 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, foi instituído em 2000 por lei federal e tem como proposta a convocação de toda sociedade para o compromisso de proteger crianças e adolescentes.

O foco é a prevenção e divulgação do Disque Direitos Humanos – o Disque 100 – serviço gratuito que funciona 24h nos sete dias da semana para receber denúncias de violência contra crianças e adolescentes, e do Conselho Tutelar.

"A população deve denunciar. Ela tem segurança que a denuncia é anonima. O disque 100 é um canal seguro pra sociedade e um canal seguro pra proteção da criança e do adolescente. O abuso sexual pode acontecer em qualquer lugar, em qualquer situação, até situações inusitadas e em qualquer classe social. Nunca desconfie de uma criança que fale sobre esse tema, é acolher a fala da criança pra poder apurar e romper com isso pra gente ter uma sociedade mais saudável", concluiu a Conselheira Tutelar Nordeste, Surya Noara.