"Rachas” em avenidas tiram o sossego de moradores de Belo Horizonte
População que vive e trabalha às margens dos grandes corredores reclama da falta de segurança

Por Raquel Penaforte
O som do motor do carro interrompe o silêncio da madrugada. De repente, um flash corta a avenida Presidente Carlos Luz (Catalão), na região Noroeste de Belo Horizonte, que fica até difícil identificar a marca e o modelo do veículo, quem dirá, anotar a placa. A cena se repete inúmeras vezes. “É todo dia, a madrugada inteira. Vários carros em altíssima velocidade. Fico com medo de atingir alguma bomba de combustível de um dos postos ou acertar algum trabalhador, imagina, seria uma tragédia”, relatou um vigilante que trabalha na avenida de madrugada e falou sob a condição de anonimato.
Os rachas se repetem em várias avenidas da capital e, alguns deles, terminam em tragédia. Em dezembro de 2023, por exemplo, um homem de 32 anos morreu depois que o Porsche em que ele estava ter batido em postes e árvores da avenida Barão Homem de Melo, na região Oeste. O carro estava a mais de 200km/h, e o limite permitido é de 60 km/h.
Além das mortes, – foram 109, de 2014 a 2024 em BH, segundo os dados do Observatório de Segurança Pública – os rachas também geram outros transtornos. “O comportamento inadequado, o barulho, a intimidação e uma série de outros problemas são gerados a partir dessa conduta”, lista o especialista em trânsito, Silvestre Andrade.
No ano passado, a cada dois dias, foram registrados três acidentes por excesso de velocidade em vias da capital mineira ou 45 por mês – total de 539 em 2024, conforme dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sejusp). Até o dia 11 de março, ao menos 37 ocorrências do tipo foram registradas em BH. Uma delas aconteceu na Catalão, no último dia 14 de fevereiro. Outro Porsche 911, que pode custar mais de R$ 1 milhão, ficou completamente destruído depois de colidir com um Renault Kangoo no meio da avenida. Por sorte, ninguém se feriu gravemente. “O Porsche ficou passando várias vezes, correndo de um lado para o outro, depois, pelo que vi nas imagens, o Kangoo tentou dar um ‘balão’, quando o Porsche pegou ele”, disse o trabalhador.
Dados da Sejusp dão conta de que de janeiro de 2022 a janeiro deste ano, 791 pessoas foram conduzidas a unidades policiais por direção perigosa (fazer manobras de risco e excesso de velocidade) e mais de 1 milhão de multas foram aplicadas pelos mesmos motivos, segundo a Coordenadoria Estadual de Gestão de Trânsito (CET-MG).
Radares não intimidam
Na avenida Presidente Carlos Luz, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte existem cinco radares de controle de velocidade, mas nem isso é suficiente para frear os rachas. “Enquanto os rachas forem levados como brincadeira, eles vão continuar. Esse tipo de ação reúne pessoas, tem plateia e não acontecem em locais ermos, por isso, temos que ter fiscalização, serviços de inteligência para fazer a abordagem antes da ação, mas precisamos ter também consequências mais severas dos responsáveis”, diz Andrade.
Já o professor do CEFET-MG e especialista em segurança no trânsito, Agmar Bento Teodoro, acredita que o aumento do número de radares e mais ações de repressão por parte da segurança pública, podem minimizar o problema. “Campanhas podem conscientizar sobre o respeito ao limite de velocidade, e dos riscos que a prática inclui. Além, claro, da fiscalização prévia, blitzen e a inserção de mais radares”, indicou.
‘É preciso garantir a fluidez do transito’, explica consultor
O uso de quebra-molas, pistas elevadas e demais equipamentos que visem a redução da velocidade fazem parte do conceito “Traffic Calming” (‘tranquilização do tráfego’, em tradução livre). De acordo com o consultor em transporte e trânsito, Silvestre de Andrade, é um projeto aplicado, em grande maioria, em vias de menor demanda, já que nas pistas de grande circulação é preciso garantir a fluidez do transito.
“Se reduzimos a capacidade das vias de grandes fluxos, a gente vai gerar congestionamentos, aumentar a poluição e até causar acidentes por efeitos de lentidão. Normalmente, o que se faz nesses corredores é a instalação de semáforos, controle de gestão, além do uso de radares”, sugere.
Atuação é preventiva e estratégica
O barulho dos veículos é o que incomoda o técnico em mecânica industrial, Ernani Pimentel, 50. Ele é morador da região Noroeste de Belo Horizonte, e por lá, a avenida Juscelino Kubitschek, popularmente chamada de Via Expressa, eventualmente é usada para as corridas em altas velocidades. “É o som do motor de carro e de moto durante a madrugada toda”, relata. Ele sente falta de reforço policial na via.
A PBH diz que a Unidade Integrada de Trânsito (UIT), que é composta pela BHTRANS, Guarda Civil Municipal e Polícia Militar, faz o monitoramento e fiscalização do trânsito da cidade, e que em casos de flagrante de racha, os agentes de segurança efetuam a abordagem dos envolvidos.
A PMMG, por meio do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran), disse por meio de nota que atua de forma estratégica e preventiva para coibir essas práticas, utilizando informações de inteligência para antever eventos como rachas.
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