Lei do Estado Democrático divide legendas de esquerda e direita.

Substituição a artigos da Lei da Segurança Nacional são tema de discussão há 30 anos. Pressão aumentou após o uso da lei da ditadura pelo STF e por Jair Bolsonaro Por MARCELO DA FONSECA 19/04/21 - 06h00

Lei do Estado Democrático divide legendas de esquerda e direita.
Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

O Congresso brasileiro começou a discutir, há 30 anos, punições que deveriam estar no Código Penal para crimes contra o Estado democrático de direito. No entanto, as regras apresentadas em 1991 pelo então deputado petista Hélio Bicudo não avançaram. Em 2002, o então ministro da Justiça Miguel Reale Júnior elaborou outro projeto tratando do tema, que também não foi para frente. Neste ano, com a insatisfação de parlamentares sobre o uso frequente da Lei de Segurança Nacional (LSN) pelo governo de Jair Bolsonaro, o Parlamento retomou o debate sobre o antigo texto. O plano é substituir ou até revogar a lei criada no fim da ditadura. A discussão não será simples, uma vez que tanto partidos da direita quanto da esquerda já levantaram questionamentos sobre o projeto e cobram mais tempo para discutir as medidas. 

Para juristas ouvidos pela reportagem, as propostas de mudanças (ou de revogação total) da LSN já deveriam ter sido discutidas há anos, o que evitaria o excesso de processos com base nas normas. Entre 2019 e 2020, mais de 50 inquéritos foram abertos por órgãos do governo Bolsonaro citando a LSN. O Ministério da Justiça não informa quantas vezes a lei foi usada em 2021, mas vários casos tiveram grande repercussão neste ano.

Entre eles o do youtuber Felipe Neto, que acusou Bolsonaro de “genocida” pela atuação no combate ao coronavírus. Neto foi intimado a prestar depoimento em uma delegacia do Rio de Janeiro, mas semanas depois a Justiça determinou a paralisação da investigação. 

Em março, o ex-ministro da Justiça André Mendonça determinou que a Polícia Federal investigasse pessoas que fizeram outdoors contra Bolsonaro. Em uma das mensagens, instaladas em Palmas, no Tocantins, os críticos escreveram que o presidente “vale menos que um pequi roído”.

Nos primeiros meses deste ano, pelo menos três professores de universidades federais também foram alvos de inquéritos baseados na LSN após críticas públicas ao presidente. O Supremo Tribunal Federal (STF) também usou a lei para abrir investigações ou determinar prisões. Foi o caso do inquérito das “fake news”, aberto pelo tribunal para investigar ataques contra a Corte e a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) após ataques ao STF. 

“Há quatro caminhos para a Lei de Segurança. Um deles seria manter a lei, o que não parece ser possível. A segunda hipótese é o texto ser declarado inconstitucional no STF. Há ações pedindo isso. A terceira opção é a lei ser totalmente revogada, sem um texto que substitua essa legislação. E, por último, que a lei seja alterada ou substituída, seja mantendo parte do texto ou totalmente modificada”, analisa Wallace Corbo, professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV). 

Segundo ele, caso o Congresso revogue a LSN, será fundamental criar uma nova legislação para tratar de alguns pontos previstos na lei. “Apesar de alguns crimes previstos poderem ser associados no Código Penal, muitos juristas vão defender, e eu concordo, que é importante que haja uma legislação contra tentativas de golpe, subversão da ordem e contra crimes de traição. É fundamental existir esse arcabouço de proteção ao Estado”, afirma Corbo. 

Para o advogado constitucionalista Acácio Miranda, uma definição por parte do Poder Legislativo pode evitar que o uso da LSN ou das punições de crimes contra o Estado de Direito sejam alvo de diferentes interpretações. “O caminho é a revisão no Congresso, no sentido de serem revogadas as disposições que não combinam com a Constituição de 1988. A mudança daria mais legitimidade às novas regras e não se poderia dizer que o Supremo está agindo com certo ativismo. Um novo texto pode ainda inibir o uso exacerbado da lei como vem acontecido nos últimos anos”, analisa.

Impasses podem atrasar votação do texto na Câmara

Na semana passada, os líderes partidários da Câmara discutiram um pedido de urgência na votação do projeto substitutivo da deputada Margarete Coelho (PP-PI) – proposta que retoma o texto apresentado em 2002 por Miguel Reale e que foi apensado ao projeto de Hélio Bicudo. No entanto, ponderações de siglas de oposição fizeram com que o pedido de urgência não fosse votado. Partidos conservadores também fizeram ressalvas ao texto e pediram mudanças antes de o projeto ser votado. 

No texto, a deputada removeu os artigos da LSN e incluiu pontos novos, como a criminalização da disseminação de fake news e disparos em massa em períodos eleitorais. “Temos uma oportunidade única de retirar do mundo jurídico uma lei que representa um período que não deixou saudades, um período extremamente difícil e que imperou o autoritarismo. A ideia é termos a melhor lei de defesa do Estado democrático de direito. Não vai ser a lei dos meus sonhos, nem do sonho de vocês, mas temos que buscar um ponto médio, de consenso”, afirmou Margarete Coelho. 

Segundo ela, todos os artigos da LSN serão revogados e, no lugar, será elaborado um novo projeto, apontando os crimes contra o Estado democrático. “Retiramos tudo que diz respeito aos crimes de terrorismo, porque já havia lei específica”, explica. Uma das preocupações de movimentos sociais é a possível criminalização de protestos e manifestações políticas, mas a deputada afirma que a intenção é deixar claro os limites e excessos proibidos pela lei. “O grande desafio é até onde vai a liberdade de expressão e manifestação e onde ela passa a ofender e agredir as instituições democráticas”, diz a parlamentar.

Projeto faz a tipificação de vários crimes

No texto atual, que deve ser alterado nos próximos dias, estão previstos crimes contra a soberania nacional, como tentar submeter o território à soberania de outro país; revelar informações secretas a outros governos ou tentar desmembrar parte do território por movimento armado. Também são tipificados crimes contra instituições democráticas, como tentar de forma violenta impedir o exercício de poder legitimamente constituído ou atentar contra a integridade física dos presidentes dos Poderes. 

Em outro capítulo, estão previstos crimes contra o funcionamento das instituições e dos serviços essenciais. Entre eles, devastar, explodir bombas, incendiar ou apoderar-se ou exercer controle de meios de comunicação ou de transportes, portos, aeroportos, rodovias, ferrovias ou locais destinados ao abastecimento de água, luz combustíveis ou alimentos.