Nove pessoas são vítimas de stalking por dia em MG; entenda o que é o crime

Nove pessoas são vítimas de stalking por dia em MG; entenda o que é o crime
Mulheres são principais vítimas e perseguições ocorrem principalmente pela internet. — Foto: Acir Galvão

 

 

Por Natália Oliveira

Mensagens insistentes pelas redes sociais, abordagens inconvenientes na rua ou no trabalho, presentes sem motivo, monitoramento, perseguições obsessivas, cerceamento da liberdade, violação de intimidade e privacidade. Essas são algumas das violências sofridas pelas vítimas do chamado “stalking”, palavra em inglês que significa perseguição. O crime consiste em seguir alguém reiteradamente, seja pela internet ou pessoalmente. Em Minas Gerais, nove pessoas são vítimas da ação criminosa por dia, segundo registros da Polícia Civil do Estado. 

Desde outubro do ano passado, quando boletins de ocorrência específicos sobre os casos passaram a serem feitos, 3.343 pessoas registraram o crime. Os meses de julho, agosto e setembro deste ano foram os que mais tiveram registros, todos com mais de 300 casos mensais. As cidades de Belo Horizonte (343), Juiz de Fora (164), na Zona da Mata mineira e Contagem (105), na região metropolitana da capital, foram as que mais registraram boletins de ocorrência sobre as perseguições.

Uma cabeleireira de 30 anos, moradora de Belo Horizonte faz parte dessas estatísticas. Ela prefere não se identificar já que ainda tem medo do suspeito. “Um homem que se dizia apaixonado por mim começou a me mandar muitas mensagens nas redes sociais. Ele trabalhava perto do salão onde eu era funcionária, então às vezes a gente se encontrava pessoalmente. Depois ele começou a mandar presentes para o salão sem nenhum motivo. Eu ficava tentando cortar ele, mas nada adiantava e a situação foi só piorando até eu não conseguir mais sair de casa”, contou. 

 

De acordo com a cabeleireira, no começo, ela não deu muita importância a situação e sequer sabia que estava sendo vítima de um crime. Porém, depois ela viu as perseguições ficando cada vez piores e afetando a sua rotina. “Eu achei que ele só estava investindo em mim. Eu não tinha noção que era uma perseguição até eu ficar muito incomodada e com medo. Eu bloqueei ele nas redes sociais, mas aí ele começou a me seguir na rua. Já teve vez que, saindo do salão, eu vi que ele estava escondido atrás de um poste no caminho que eu ia. Eu contei para minhas amigas e elas me aconselharam a registrar um boletim de ocorrência, porque eu vi que não tinha mais liberdade de fazer minhas coisas e viver”, lembra. 

Ainda de acordo com a vítima, ela teve problemas psicológicos após o ocorrido. “Eu tive crises de pânico. Tinha medo de sair de casa, encontrar com ele e ele fazer algo comigo. Ficava presa dentro de casa. Eu fiquei dois meses sem conseguir trabalhar. Morava sozinha na época e qualquer barulho que eu ouvia me fazia achar que tinha alguém entrando na minha casa. Eu precisei voltar para a casa dos meus pais e fazer um tratamento para me recuperar. Quando eu conto meu caso, eu percebo que muitas mulheres são perseguidas, mas nem sempre elas denunciam, pois nem sempre dão a devida importância e não percebem que estão sendo vítimas de um crime”, conclui. 

 

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A delegada Renata Ribeiro, da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso, à Pessoa com Deficiência e Vítima de Intolerância, explica que legalmente o stalking consiste na perseguição reiterada da vítima ameaçando a integridade física ou psicológica dela, restringindo a capacidade de locomoção, de qualquer forma invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Ela ressalta ainda que é importante que quem tiver sofrendo com o crime faça a denúncia. “As investigações só prosseguem mediante a denúncia da vítima. É importante a vítima se resguardar. A violência psicológica pode se transformar em violência física. É fundamental que a pessoa perseguida procure ajuda para se livrar desse tipo de situação. Ela pode ir até qualquer delegacia”, orienta.  

Mulheres são principais vítimas e ex-companheiros principais suspeitos 

As mulheres são as principais vítimas do crime e a maioria dos suspeitos são os companheiros e ex-companheiros delas. Dados da Polícia Civil monstram que 2.780 vítimas da perseguição são do sexo feminino e 511 são do sexo masculino. Entre os suspeitos, 1.632 são ex-companheiros ou ex-cônjuges das vítimas. 

“É mais comum que a perseguição ocorra com mulheres por ser um crime que também vai se materializar pelo gênero. A gente vive em uma sociedade patriarcal em que existem dois gêneros predominantes, o femino e o masculino.  Existe também o que ser homem e o que é ser mulher. O que se espera de um homem e o que se espera de uma mulher. E tem uma relação de poder. Vivemos em uma cultura que diz que o homem tem mais poder que a mulher. Existem espaços que passam a ser dominados pelo homem. Então nessa sociedade maniqueísta sendo a mulher uma parte mais frágil no que diz respeito a poder e colocação do mundo é mais comum que essa perseguição, que esse poder, que esse controle que os homens têm sejam colocados e impostos contra a mulher”, explica a defensora pública coordenadora da Coordenadoria Estadual de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, Samantha Vilarinho Mello Alves. 

Segundo ela, os ex-companheiros ou companheiros que perseguem as mulheres geralmente não aceitam quando elas manifestam o interesse de terminar o relacionamento, por exemplo. “Eles não aceitam por não ser a vontade manifestada por eles, mas sim pela mulher e eles vão exteriorizar essa discordância pela perseguição. É muito comum que isso aconteça e pode acontecer durante o relacionamento”, complementa a defensora. A delegada Renata Ribeiro ressalta que no caso de mulheres que estejam sofrendo perseguição de ex-companheiros ou atuais, elas podem solicitar ainda uma medida protetiva para evitar que o crime evolua para um feminicídio, por exemplo. 

Informações na internet contribuem para o crime 

Apesar do crime de perseguição ser antigo e acontecer mesmo pessoalmente, a internet facilitou a disseminação do stalking por dois motivos. A divulgação ampla de informações pessoais das vítimas aliada ao fato dos agressores terem a sensação de ficarem escondidos por trás do computador. “Na internet as pessoas têm informações pessoais divulgadas. Postam fotos de locais que frequentam e às vezes são marcadas por amigos onde estão naquele momento. Isso tudo facilita para o criminoso”, explica a advogada especializada em direito criminal, Elaine Keller. 

Segundo ela, ainda tem a questão das pessoas terem a sensação de que ficarão impunes. “Elas conseguem ficar anônimas, usar endereços de outros países para navegar, dados de outras pessoas, mas não existe crime perfeito, com uma perícia bem feita dá para chegar até o suspeito”, destaca. 

Minas Gerais tem pelo menos 8 processos por stalking 

A lei que oficializou esse tipo de perseguição como crime entrou em vigor em 31 de março de 2021. A pena para os suspeitos é de seis meses a dois anos de prisão, mas pode chegar a até 3 anos se foram acrescentados agravantes de crimes contra a mulher. A pena também pode ser aumentada se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso, se for cometido por duas ou mais pessoas ou se tiver uso de arma contra a vítima. 

De acordo com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), há no Estado oito processos sobre perseguição pelo enquadramento do artigo 147-A que consiste em perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

“Isso não significa que a situação de perseguição só esteja sendo discutida nesses oito processos em todo o Estado, mas não temos como precisar o número. A situação de perseguição (Art. 147-A) pode estar sendo discutida também em outros tipos de processo, como indenização por dano moral, medidas protetivas, entre outros, mas sem a marcação do assunto perseguição nos assuntos, que é realizada pelo advogado. A falta do cadastramento dificulta o levantamento de dados”, informou o TJMG. 

Onde denunciar

O crime pode ser denunciado tanto para a Polícia Militar, por meio de boletim de ocorrência, e dependendo da situação, ligando 190 e acionando a viatura imediatamente em caso de risco de momento. A denúncia também pode ser feita nas delegacias de Polícia Civil de Minas Gerais. 

Como agir no caso de crime de Stalking:

  • Relatar a situação para familiares e amigos para que se possa ter uma rede de apoio. 
  • Não interagir com o suspeito para não dar a ele a oportunidade de continuar as violências. 
  • Se o crime ocorrer pelas redes sociais, bloquear o suspeito é uma ótima alternativa para evitar que a perseguição continue. 
  • Não divulgar nenhum dado pessoal nas redes sociais ou de outras formas para que o suspeito não tenha facilidade de te encontrar. 
  • Guarde todas as provas da perseguição. Gravar ligações, imagens de câmeras de segurança e prints de conversas nas redes sociais. 
  • Se o crime for cometido por ex ou atual companheiro.