Nova Rodoviária’ é abandonada pela prefeitura de BH e vira ponto de tráfico de drogas e insegurança

A área de 70 mil metros quadrados, onde a rodoviária iria funcionar desde 2012, virou um terreno usado para guardar entulhos de obras do Executivo local

Nova Rodoviária’ é abandonada pela prefeitura de BH e vira ponto de tráfico de drogas e insegurança
Ao todo, 288 famílias foram retiradas de suas residências para construção de Nova Rodoviária que nunca saiu do papel _Foto: Flávio Tavares / O TEMPO

Por Raíssa Oliveira e Milena Geovana

 

Mais de uma década após a Prefeitura de Belo Horizonte aprovar um projeto de construção de uma nova rodoviária, no bairro São Gabriel, na região Nordeste, com o intuito de desafogar o trânsito no centro da capital, o espaço onde seria o terminal deixa de ser uma solução e passa a ser um problema para a cidade. A área de 70 mil metros quadrados, onde a rodoviária iria funcionar desde 2012, virou um terreno usado para guardar entulhos de obras do Executivo local, enquanto quem passa pelo entorno sofre com a sensação de insegurança deixada após a saída de centenas de famílias de suas casas. O vazio deixado com a destruição das residências foi preenchido por escuridão e atividades ilícitas, como o tráfico de drogas, segundo moradores.

Com a justificativa de que “a decisão da construção e operação da Nova Rodoviária e a posterior desistência do projeto foram definidos por gestões anteriores”, a prefeitura disse, em nota, não ter novos planos para a área, onde foram gastos mais de R$30 milhões em desapropriações. Ao todo, 288 famílias foram retiradas de suas residências em um processo moroso, marcado por difíceis negociações, não aceitação de valores ofertados e audiências públicas na Câmara de Vereadores de BH. Na época, a ideia era instalar a rodoviária na área próxima à saída de relevantes corredores de trânsito, como o Anel Rodoviário. Isso, sem contar com o fato de o terminal ficar ao lado da estação de metrô e do Move da avenida Cristiano Machado. 

Os recorrentes problemas de trânsito causados ao redor do Terminal Rodoviário Governador Israel Pinheiro (Tergip), no centro de BH, foram os principais motivadores para a formulação do projeto. O problema, que já existia na época, persiste no terminal que acaba de completar 54 anos. Em resumo, o grande fluxo de veículos na região associado ao aumento no número de ônibus em determinadas fases do ano cria um nó nos arredores do terminal. Por isso, em 2009, na gestão do então prefeito Marcio Lacerda (PSB), foi pensada a possibilidade de uso de outra área. A previsão de fim das obras era 2012. A construção do terminal se arrastou por três gestões municipais avançando apenas em desapropriações. A proposta esbarrou, por exemplo, na ausência de um projeto viário para o entorno.Em março de 2018, o prefeito Alexandre Kalil (PHS) chegou a chamar a nova rodoviária de “aberração” e descartou a possibilidade de dar início à obra, segundo ele, temendo a piora do trânsito no Anel Rodoviário. Segundo a PBH, a construção e a operação da Nova Rodoviária eram objetos de um contrato de concessão que foi extinto. “O município e a concessionária discutiram o contrato na justiça arbitral, que já foi encerrado”, afirmou em nota. 

O projeto foi abandonado e assim também se sentiu parte da população que agora convive com o que restou do projeto que era audacioso ao prever estacionamento para 400 veículos, mini-shopping, sistema de veiculação de informação parecido com o de aeroportos, além de aproximadamente 40 plataformas de embarque e desembarque de passageiros. “Era melhor ter deixado o pessoal que morava aí. Agora você não sabe quem é quem, quem está passando. Você não sabe quem é a pessoa saindo dali à noite, o que passa na cabeça dela. Você vê pessoas definhando aí dentro, tem prostituição, usuário de drogas”, lamenta Glayson Gomes, 51. Ele mora na região desde que nasceu e sente que, com a saída das casas que haviam no local, a região ficou mais insegura. 

A reportagem de O TEMPO esteve na região onde seria construída a rodoviária. Os terrenos dos dois lados da via estão cercados e capinados. Em um deles, é possível ver montes de piche de asfalto. No outro, montes de terra e entulho. Durante toda a tarde, caminhões com trabalhadores vestindo roupas da Prefeitura de Belo Horizonte entravam e saíam do terreno deixando restos de materiais no local. Foi possível perceber ainda um grupo de pessoas entrando e saindo da mata atrás de um dos terrenos. Embaixo da passarela do viaduto também havia algumas cabanas e pessoas em situação de rua.

Dono de um estabelecimento próximo à rua Jacuí, Djalma Rodrigues, 54, destaca que hoje o maior problema da região é a insegurança deixada após a retirada dos habitantes de lá. “Até que não ficou ruim de ter colocado esses restos de asfalto ali, estava um mato danado, com rato, inseto. Antes tinham até uns cachorros que ficavam rondando lá. Mas aí eles tiraram e agora ficam esses seguranças em uma guarita perto da rotatória”, relata. “A gente que é homem e conhece a área não tem tanto medo de passar ali. Mas dependendo da pessoa, se for uma senhora, uma moça, eu não aconselho”, completa. Um cenário muito diferente do que ele conheceu há uma década. “Antes, tinha gente conhecida ali toda hora, um portão do lado do outro, qualquer um que gritasse a pessoa estava ali. Tinha comércio, movimento. Tiraram esse monte de gente de lá e agora fica esse terreno vazio”, destaca.

opinião é compartilhada Everton Silva, 44, que trabalha na região há mais de cinco anos e afirma evitar passar no local durante a noite. “Ali à noite fica muito perigoso. Não tem iluminação. Até tem lâmpadas, mas tem uma parte que é 100% escura. Eu não tenho coragem de passar ali à noite, principalmente debaixo do viaduto”, afirma.

Quem também não tem coragem de se expor ao breu da região é Cristiane Gomes, 42, que pega ônibus dentro da Estação São Gabriel diariamente. Mas, quando ela perde o horário do coletivo, precisa atravessar o viaduto para tentar alcançar o veículo ainda na rua Jacuí, rua margeada pelo lote onde seria a rodoviária. Opção que, segundo ela, é em último caso e cercada de muito medo. “Eu não passo aqui de noite, não me arrisco. De noite não dá para arriscar mesmo. Graças a Deus eu chego quando pego aqui o ônibus já está vindo, porque eu vejo ele da estação. Mas se eu ver que ele já passou eu volto lá para dentro. Eu não fico aqui fora de jeito nenhum”, afirma.

PM planeja ação conjunta com PBH após detectar maior sensação de segurança 

Em nota, a Polícia Militar (PMMG), por intermédio do 16º BPM, afirmou que realiza, de forma contínua, patrulhamento preventivo ordinário no bairro São Gabriel, com base em análises estatísticas e levantamentos de inteligência. "Complementando esses esforços, são empregadas diariamente equipes especializadas em operações com missões específicas, como blitz nos principais logradouros próximos à estação São Gabriel, batidas policiais com abordagem a indivíduos em atitude suspeita e estabelecimentos comerciais, além da operação presença, que amplia a visibilidade do policiamento, reforçando a prevenção criminal e a sensação de segurança da população", garantiu.

A PM ressalta que a região registrou um aumento no número de pessoas em situação de rua, que têm ocupado o entorno da passarela de acesso à Estação São Gabriel, impactando a sensação de segurança da comunidade local. Diante desse cenário, o 16º BPM vem intensificando suas operações policiais na área e encontra-se em fase de planejamento de ações conjuntas com a Prefeitura de Belo Horizonte para a realização de abordagens sociais às pessoas em situação de rua que frequentam as passarelas da estação. Paralelamente, está sendo implantada uma estrutura para registro de ocorrências policiais no interior da estação, ampliando a presença policial no local.

Novo projeto precisa agregar equipamentos de saúde, habitação, comércio e educação

Na avaliação de Branca Macahubas, Urbanista, Consultora em Inovação Urbana e ex-secretária de Regulação Urbana da Prefeitura de Belo Horizonte, um novo projeto para o espaço deve prever destinações múltiplas para o local, que contemplem equipamentos de saúde, habitação, comércio e educação.

"Para ser viável ele não pode ser exclusivo de uma atividade única, precisa agregar mais ao projeto. Tem que criar não apenas uma rodoviária, mas uma centralidade no local. Numa cidade como BH não podemos pensar num terreno apenas para passar ônibus, é preciso propostas mais arrojadas no planejamento urbana", afirma. 

Para a especialista, é preciso uma maior integração dos modais de transporte e da gestão de trânsito em Belo Horizonte. "Temos um problema de gestão da mobilidade em Belo Horizonte muito grande. É necessário um estudo de integração desses modais de transportes que realmente atenda a população. Depende de uma gestão mais arrojada. Não adianta investir um dinheiro naquele terreno com apenas um uso”, finaliza.