CPI da Covid: veja o que pode acontecer com Bolsonaro e outros

CPI da Covid: veja o que pode acontecer com Bolsonaro e outros
O relator Renan Calheiros na CPI da Covid, momentos antes de iniciar a leitura do seu parecer Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

 

 

 

 

 

Por RENATO ALVES 

Após a leitura do relatório de Renan Calheiros (MDB-AL), o texto final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) será votado pelos integrantes do colegiado na próxima terça-feira (26).

O documento prevê 68 pedidos de indiciamentos. A versão foi produzida no último fim de semana após questionamentos dos senadores pela divulgação prévia na imprensa.

Caso o texto seja aprovado pela maioria dos integrantes da CPI, o relatório será entregue às autoridades competentes, como o Ministério Público e a Câmara dos Deputados, que realizarão o indiciamento dos citados. A CPI não tem poder de indiciar.

No texto, são citados quatro ministros, dois ex-ministros, seis deputados, um senador, um vereador, além de 13 médicos e três empresários. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), além de seus três filhos, o senador Flávio, o vereador Carlos e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, estão entre os incluídos.

Decisão ficará com PGR, que é aliado de Bolsonaro

No caso do presidente Bolsonaro, uma autoridade com foro privilegiado, com 10 crimes imputados entre artigos do Código Penal, do Tratado de Roma e da Lei de Responsabilidade, cabe à Procuradoria-Geral da República (PGR) analisar e realizar o indiciamento.

O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que a entrega pode acontecer ao órgão comandado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, nesta quinta-feira (27).  Aras, é a única autoridade que pode apresentar uma denúncia criminal contra o presidente no Supremo Tribunal Federal (STF).

Vale ressaltar que Aras é visto como aliado de Bolsonaro e hoje parece improvável que o denuncie, pois a PGR tem arquivado diversas queixas-crimes que já foram apresentadas pedindo a investigação criminal do presidente por sua conduta na pandemia.

A PGR, por exemplo, já arquivou pedido de investigação devido ao não uso de máscara por entender que isso configura infração administrativa, sujeita a multa, e não um crime.

O órgão também recusou pedido de investigação por causa das aglomerações provocadas pelo presidente. Segundo a PGR, Bolsonaro só poderia ser processado por disseminar coronavírus se estivesse contaminado com a doença e contrariasse ordem médica para se isolar.

Por outra lado, a PGR já abriu inquérito para investigar se Bolsonaro prevaricou ao não tomar providências após ser informado pelo deputado Luiz Miranda (DEM-DF) de supostas ilegalidades no contrato para compra da vacina indiana Covaxin. A investigação está em andamento.

Impeachment depende de vontade política

Se houverem crimes de responsabilidade contra Bolsonaro, o presidente Arthur Lira (PP-AL) avalia se irá pautar a Câmara para a abertura do processo de impeachment.

Ainda há a possibilidade de compartilhamento das investigações realizadas pela CPI ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que criou a CPI da Prevent Senior, que apura a denúncia de crimes contra a operadora de saúde. E ainda para a Procuradoria da República no Amazonas, para investigação do colapso no sistema de saúde local no começo deste ano.

Caminho no Tribunal Penal Internacional é longo

Cópia do relatório final da CPI também será remetida ao Tribunal Penal Internacional (TPI). A informação foi dada por Renan Calheiros, durante a leitura do seu relatório, na tarde de quarta-feira.

Ele afirmou que as conclusões da CPI apoiaram-se nas provas produzidas ao longo dos últimos meses, em especial nos depoimentos tomados e nos documentos recebidos. Segundo Renan, o acervo permitiu o indiciamento de agentes políticos e servidores públicos e particulares que tiveram envolvimento em práticas delituosas. 

“Além disso, haja vista a caracterização de crimes contra a humanidade, os documentos também serão remetidos ao Tribunal Penal Internacional, tendo em vista a inação e incapacidade jurídica das autoridades brasileiras na apuração e punição desses crimes'', completou Renan Calheiros.

No entanto, são poucas as denúncias recebidas pelo Tribunal Internacional Penal que de fato resultam em investigações. E, quando isso ocorre, os casos se alongam por muitos anos.

Em tese, o TPI pode condenar criminosos a penas de 30 anos de prisão e até a prisão perpétua, mas essas punições máximas nunca foram aplicadas pela Corte.

Todas as representações criminais feitas ao TPI são analisadas pela Procuradoria da Corte, órgão responsável por realizar investigações de forma independente. Um filtro inicial da procuradoria descarta casos em que os crimes denunciados claramente não são de competência do Tribunal.

Se a representação passar dessa etapa, ela é submetida a um exame preliminar, em que a Procuradoria avalia a presença dos elementos necessários à instauração de uma investigação formal. Nesse momento, é analisado, por exemplo, a gravidade dos crimes apontados na representação e se há omissão da Justiça nacional em apurar esses delitos.

O TPI, inclusive, já recebeu algumas acusações contra Bolsonaro, envolvendo tanto os povos indígenas como a conduta na pandemia. Por enquanto, apenas uma relacionada aos indígenas, apresentada em 2019, avançou para a etapa de análise preliminar pela procuradoria.

Senadores rejeitaram acusação de genocídio de indígenas

Renan Calheiros pretendia acusar o presidente de crime de genocídio contra populações indígenas, mas essa ideia foi abandonada devido à oposição de outros intengrantes da CPI. Com isso, a proposta do relator é enviar ao TPI duas acusações de crimes contra a humanidade por parte do presidente.

Esses crimes estão previstos no Tratado de Roma, incorporado ao direito brasileiro desde setembro de 2002.

Uma das acusações propostas por Calheiros sustenta que Bolsonaro cometeu crime contra a humanidade a praticar "ato desumano que afete gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental". Isso teria ocorrido, segundo o senador, quando vidas humanas foram usadas como "cobaias" em estudos fraudulentos para aplicação de tratamentos sem eficácia contra covid-19.

Ele cita, por exemplo, a promoção do "tratamento precoce" pelo Ministério da Saúde durante a crise de falta de oxigênio em Manaus, no início de 2021. Outro argumento usado pelo senador foi o uso em massa de hidroxicloroquina pelo plano de saúde Prevent Senior.

Resultados de um suposta pesquisa da empresa atestando a eficácia do remédio contra covid foram divulgados por Bolsonaro. Porém, o estudo não havia sido autorizado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e ex-médicos da Prevent Senior acusaram o plano de fraudar os resultados.

A outra acusação é de crime contra a humanidade devido à postura do governo Bolsonaro em relação aos povos indígenas. O relatório destaca a decisão do STF de determinar em julho de 2020 a adoção de um plano emergencial pelo governo de apoio a essas populações durante a pandemia "diante das muitas falhas na política de enfrentamento à pandemia junto aos povos indígenas e da preocupação com a rápida interiorização da doença, que prenunciavam um desastre".