Brasil pode viver sob risco de racionamento de energia pelos próximos dez anos

Crescimento econômico deve continuar pressionando geração de energia, diz especialista

Brasil pode viver sob risco de racionamento de energia pelos próximos dez anos
Foto: Ramon Bittencourt/O Tempo

 

Por LETÍCIA FONTES

24/06/21 - 03h00

Diante da pior seca dos últimos 90 anos e com algumas das principais hidrelétricas do país correndo o risco de ficarem vazias, um fantasma que parecia estar no passado voltou a rondar o Brasil. Vinte anos depois de o governo federal adotar medidas de racionamento de energia devido ao risco de apagão, especialistas temem a necessidade de um novo racionamento, semelhante ao que aconteceu naquela época, quando os consumidores tiveram que cortar 20% do consumo de eletricidade para não ter um aumento na conta.

Mesmo com o governo negando essa possibilidade, o país corre o risco de viver a próxima década com o medo constante do racionamento. “O país tem uma taxa de crescimento de energia elevada, em torno de 2% a 5% ao ano, a tendência que isso se mantenha. Se a economia se levantar no próximo ano, como já vem acontecendo, tudo indica que teremos problemas tão ou até mais sérios que em 2001 e podemos ter falta de energia elétrica em alguns pontos do sistema”, avalia Carlos Barreira Martinez, professor da Universidade Federal de Itajubá e do departamento de pós-graduação de engenharia mecânica da UFMG. “É possível que passemos os próximos dez anos sob risco de racionamentos e de sobressaltos com medo de uma falta de energia. Isso fica cada vez mais crítico a medida que o tempo passa e que o governo demora a tomar providências”, acrescenta o professor, que acredita que medidas já poderiam ter sido tomadas para atenuar a situação.

"Se o sistema tivesse despachado as centrais térmicas há 6 meses estaríamos em uma situação mais confortável pois teríamos mantido os níveis dos reservatórios, mas isso iria custar dinheiro e impactar na elevação da inflação. Optou-se e por ir empurrando com a barriga”, pontua Martinez. 

Para o professor Marcos Freitas, coordenador do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig), da UFRJ, o risco maior da crise energética é o aumento constante do preço da energia. “O risco de racionamento e de um apagão tem, mas não é o problema principal, ao meu ver, porque tem estoque de outras energias, coisa que não se tinha tanto em 2001. O maior risco é o aumento do preço. Com a energia mais cara, o preço das mercadorias não fica competitivo para o mercado, a gente já tem um custo de energia alto, as produções tendem a encarecer ainda mais”, diz. 

A notícia de um possível racionamento e o aumento constante na conta de luz foi o estopim que faltava para a empresária Luiza Alves, dona de um salão no bairro Caiçara, na região Noroeste de Belo Horizonte, querer vender a unidade. “Fiquei mais de seis meses fechada, os clientes diminuíram muito, a conta (de luz) nunca baixou, porque a tendência é que ela aumente se o movimento melhorar. O momento já é muito difícil, essa questão da energia é mais um problema que não tenho como lidar”, desabafa Luiza, que paga em média R$ 800 de conta de luz.

“Como um salão diminuiu seu consumo? Não usa o secador? Eu estou cortando em outras coisas, já dispensei o vigia, por exemplo”, conta a empresária, que planeja manter apenas um salão com a irmã na Savassi, na região Centro-Sul da capital mineira, e vender a unidade do Caiçara. 

Energia solar fez conta passar de R$ 350 para R$ 50 por mês

A gestora comercial Ana Martins, 43, resolveu instalar placas de energia solar no telhado da casa para ajudar no orçamento. A conta de luz, que antes custava cerca de R$ 350, barateou, e agora está chegando, em média, a R$ 50. “É computador ligado das 7h às 18h, mais a impressora, fora o consumo rotineiro de geladeira, ventiladores no verão e forno elétrico”, conta ela, que não se arrepende do investimento para a instalação da tecnologia, que em muitos casos custa mais de R$ 20 mil. “Quando somamos a parcela do financiamento (da instalação) mais a conta de luz atual, ainda assim dá inferior a R$ 300, o que já representa uma economia gigante”, diz.

Para quem não pode realizar grandes investimentos, o professor João Carlos Lima, do Centro de Capacitação em Tecnologia da Loja Elétrica, dá a dica de pequenas ações que podem reduzir o consumo pela metade. Uma delas é substituir os chuveiros tradicionais por chuveiros com controle eletrônico. “Um chuveiro tradicional utilizado por quatro pessoas na posição inverno durante 15 minutos por cada um, tem um gasto de R$ 1.638 por ano. Se essa família fizer uma substituição pelo chuveiro eletrônico, esse gasto cairá para R$ 982,80”, explica o engenheiro elétrico, que ainda aconselha a sempre desligar os eletrodomésticos da tomada. "Um computador, uma televisão, um aparelho de tv a cabo no modo stand by, quando fica com a luz piscando, consumo na ordem 5%. Consumo de energia é tempo de funcionamento, você paga por um equipamento que não está usando", pontua. 

 

‘Estamos vindo com bandeiras novas’

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou ontem que a aplicação de novas bandeiras tarifárias, que elevam o custo da conta de energia elétrica, tem o objetivo de evitar um racionamento no país. “Estamos vindo com bandeiras novas para evitar o racionamento lá na frente, está havendo uma racionalização no uso agora, e isso é um choque. Vai haver um choque na energia e um choque de alimentos”, afirmou ele, que não detalhou se estava se referindo à eventual criação de mais uma bandeira tarifária.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deverá aprovar, na próxima semana, um reajuste das bandeiras. A tendência, segundo técnicos que participam das discussões com o governo, é a de que o conselho diretor da agência aprove um aumento que varia entre 40% e 60% das bandeiras – o que acarretará um aumento entre 15% e 20% na conta de luz. Os números ainda estão sendo fechados pelos técnicos da agência e devem vigorar a partir de julho, permanecendo até o final deste ano. 

Para o economista, Paulo Casaca, o impacto será sentido, principalmente, pelas classes mais vulneráveis. "A gente tende a pensar primeiro na conta de luz, mas é um efeito cascata. Aumenta o valor dos produtos nos supermercados, gera incerteza no empresário que fica receoso com novos investimentos. Ele passa a ver o consumidor com uma renda menor, porque o cliente vai gastar mais pagando energia elétrica do que com outras coisas", destaca o professor do IBMEC. 

Entenda

Na bandeira verde não há adicional para cada quilowatt-hora (kWh) consumido. Na amarela, o extra é de R$ 1,34 a cada 100 kWh. Na vermelha, há dois patamares – R$ 4,16 (nível 1) e R$ 6,24 (nível 2). Diante da crise hídrica, a Aneel impôs a bandeira vermelha 2 em junho. Caso se confirme, o preço a mais do kWh passaria dos atuais R$ 6,24 para cerca de R$ 10. Esse movimento exercerá mais pressão sobre a inflação.

Por meio de nota, a Cemig informou que o fato de algum reservatório apresentar um armazenamento baixo não significa que os consumidores do entorno teriam o suprimento afetado e reforçou que não há indicação de racionamento pelo Operador Nacional do Sistema. A companhia destacou ainda que as Bandeiras Tarifárias são definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e valem para todas as distribuidoras do Brasil, não existindo um impacto exclusivo para um Estado e sim para todo o território nacional.

(Com Folhapress)