Nomofobia: entenda a síndrome da dependência digital

Especialista pondera que o problema não é a tecnologia em si, mas a forma como nos relacionamos com ela

Nomofobia: entenda a síndrome da dependência digital
Foto: Divulgação/Netflix

 

Por ALEX BESSAS

 

Quem acompanhava o estudante de direito João Vitor, 24, pelas redes sociais imaginaria que ele se divertia. Diariamente, ele publicava fotos de paisagens e com os amigos, atualizando seus seguidores sobre os passeios que fazia no Rio de Janeiro e, posteriormente, no litoral baiano. Mas, um ano depois da sua última viagem de férias, o rapaz admite que todo aquele envolvimento era fachada. Na maior parte do tempo, sua atenção se restringia à tela do smartphone, que sempre carregava consigo. “Ironicamente, o mesmo dispositivo com que divulgava cada um dos destinos, que me rendiam likes, era também uma barreira, que impedia uma entrega mais satisfatória àquela experiência que, meses depois, eu não pude mais repetir (por causa da chegada do novo coronavírus ao país)”, lamenta, completando que, por isso, sente-se frustrado.

“Considero que tenho uma dependência. Ficar sem celular me desconcerta, me deixa aflito, deslocado, mesmo quando estou com amigos, mesmo quando estou em um lugar relaxante, em que queria mesmo estar. É como se eu não me encaixasse, como se tudo fosse desinteressante”, acrescenta João Vitor, lembrando diversos outros episódios em que ficar sem o aparelho significou grande sofrimento. “Quando a bateria do meu telefone acaba, fico ansioso. E se fico muito tempo em um lugar sem o celular, se não tenho como carregar, acabo ficando irritado e me isolando”, pontua. Embora não seja possível cravar um diagnóstico, pois o universitário ainda não buscou atendimento clínico para relatar o problema, os sintomas por ele descritos coincidem com os da nomofobia, um transtorno caracterizado pelo medo irracional de estar sem celular ou aparelhos eletrônicos no geral.

No Brasil, de acordo com levantamento do Google, 73% dos brasileiros que têm smartphones não saem de casa sem seus dispositivos. E estamos falando de um país em que o uso desses dispositivos é vastamente disseminado. Divulgada em 2020, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que o celular é a ferramenta mais usado para acessar a internet nos lares brasileiros, sendo usada por 99,2% dos domicílios com o serviço. 

“O celular é parte indissociável da vida moderna e é um potencializador das interações sociais, além de ser uma ferramenta poderosíssima para a informação e o aprendizado. Em isolamento físico, experimentado por causa da pandemia, esse dispositivo permitiu que a gente conseguisse se aproximar dos outros e manter relações”, lembra Leni de Oliveira, psicóloga clínica e coordenadora do núcleo de relacionamento e casal do Núcleo de Psicologia Seu Lugar. Ela pondera que, portanto, o problema não é a tecnologia em si, mas a forma como nos relacionamos com ela.

“A nomofobia, geralmente, aponta para outros transtornos preexistentes, como o de ansiedade e o de fobia social. Trata-se de um distúrbio muito atrelado à questão da insegurança e da baixa autoestima. De forma geral, é como se sem o aparelho a pessoa se sentisse desprotegida, como se pudesse acontecer algo a ela e o telefone fosse uma forma de se salvar. Cria-se, assim, uma dependência, muito ligada à falsa sensação de controle, como se ter o telefone ao alcance da mão fosse um porto seguro”, avalia. Leni sinaliza ainda ser comum que pessoas demonstrem grande necessidade de se perceberem inseridas, como se precisassem provar que estavam felizes – o que justifica, a exemplo da história de João Vitor, uma forte presença em redes sociais. “É uma sensação muito própria da adolescência, mas que não é exclusiva dela. É como se só me sentisse pertencente se houvesse uma integração com a minha identidade digital. Dessa maneira, me conectar com as pessoas apenas presencialmente nunca parece suficiente”, comenta.

Consequências são danosas. Entre os principais sintomas da nomofobia aparecem o desconforto, a ansiedade e a sensação de angústia sempre que se está longe do smartphone. “As consequências são muito danosas. Se me sinto confortável apenas quando ligado à tecnologia, a tendência é que eu me isole socialmente, construindo relações mais superficiais. Além disso, é provável que me torne mais sedentário e cada vez mais seja incapaz de ter atitudes práticas do dia a dia, ficando boa parte do tempo apenas em frente à tela, mesmo sem ter muito o que fazer. É como se a gente ficasse refém daquele hábito”, pontua Leni, acrescentando que esse comportamento também reverbera na qualidade do sono, gerando diversos prejuízos ao desenvolvimento. 

A ponderação está em consonância com análises do psiquiatra Dirceu de Campos Valladares Neto. Em entrevista a O TEMPO sobre como, dormindo cada vez menos, a sociedade se expõe a riscos, ele advertiu: “Com o advento da luz elétrica e de mídias eletrônicas, o homem foi ficando igual a um mosquito, sendo atraído pela luminosidade mesmo quando isso é maléfico. A verdade é que, quando jogamos luz sobre nossos olhos, dormimos menos. Mas seguimos tendo obrigações que exigem de nós continuar acordando cedo”.

O medo de “ficar por fora”

Não é incomum que a nomofobia seja acompanhada da síndrome de FoMO (acrônimo em língua inglesa para a expressão “medo de perder algo”). Esse distúrbio é caracterizado pelo temor dos usuários de redes sociais de não estarem inteirados do que está acontecendo a todo momento. É como se houvesse uma pressão para ter, na ponta da língua, ou melhor, dos dedos, informações sobre os mais recentes memes, notícias da vida de famosos ou de pessoas próximas e, ainda, ser o primeiro a divulgar o resultado final das eleições americanas. No caso de João Vitor, além de conferir o que seus amigos andam postando, é rotineiro que cheque as novidades do universo pop norte-americano. “Às vezes, me pego lendo uma notícia de um desses artistas para uma pessoa que sequer está interessada”, ri. 

E esse medo de ficar por fora é uma das razões pelas quais resiste a reduzir seu tempo de tela. Na última semana, o estudante chegou a alcançar uma média de dez horas em frente ao celular, volume de interação muito superior à média nacional, que já é alta: ficando três horas e 45 minutos por dia diante de ferramentas tecnológicas, os brasileiros ocupam o terceiro lugar no ranking mundial entre as populações que mais gastam tempo com esses dispositivos.

“O FoMO também tem como raiz essa ideia de que estamos no controle, que, ao sabermos de tudo, não vamos ser pegos de surpresa. Entretanto, esse comportamento pode se provar um aprisionamento mental e é muito mais da ordem da fantasia, de uma falsa sensação de saber tudo o tempo todo”, alerta a psicóloga Leni de Oliveira, lembrando como a própria pandemia da Covid-19 se impôs no nosso dia a dia, demonstrando como esse desejado controle sobre as coisas da vida, da natureza e do outro escapa aos seres humanos.

Assim, no afã de zerar as notificações e de se estar inteirado sobre tudo, estima-se que uma pessoa cheque o celular cerca de 220 vezes em um único dia. É o que aponta uma pesquisa de 2019 da consultoria inglesa Tecmar. Os autores do estudo chegaram a comparar o potencial viciante do dispositivo tecnológico ao de uma máquina de caça-níqueis. Uma das mais imediatas e trágicas implicações desse hábito pouco saudável se percebe no trânsito. Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) adverte que as chances de um motorista utilizando o celular se envolver em um acidente aumentam 400%, a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) confirma que essa combinação é uma das principais causas de morte no trânsito no país.

Reconfigurando hábitos. “Rotina” é palavra-chave na revisão da lida com a tecnologia. É o que garante a psicóloga clínica Ellen Moronte, especialista em saúde mental. Ela sugere, para quem quer colocar a própria relação com o smartphone em revista, que a pessoa busque abrir na agenda espaço para atividades desvinculadas da tecnologia. Focar em atividades físicas ou trabalhos manuais pode ser uma boa ideia, dado que ambas possuem viés terapêutico. A psicóloga reforça que, além de estabelecer um itinerário, é preciso um esforço consciente em cumpri-lo. Em alguns casos, eliminar as notificações de algumas redes sociais – principais estímulos para a checagem de novas interações – e verificar atualizações apenas em alguns horários predeterminados pode ser uma iniciativa oportuna.