Morte de cruzeirense abre brecha para proibição de organizadas, diz especialista

Confrontos aproximam torcedores de criminalidade e afastam bem-intencionados e famílias dos estádios

Morte de cruzeirense abre brecha para proibição de organizadas, diz especialista
Um cruzeirense foi morto e outros três ficaram feridos em BH — Foto: Reprodução / Redes Sociais

Por Isabela Abalen 

A morte do cruzeirense Lucas Elias Vieira Silva, de 28, durante confronto entre torcedores da Máfia Azul e da Galoucura, no Barreiro, em Belo Horizonte, nesse sábado (2), pode provocar o movimento de criminalização das organizadas na capital. A análise é do especialista em segurança pública Jorge Tassi, que reforça que medidas que tentam prevenir os conflitos não têm surtido efeito. O pesquisador avalia que houve falha na decisão de tornar os jogos do Atlético e do Cruzeiro simultâneos em Belo Horizonte e que, diante da recorrência de tragédias e da aproximação com o crime, as organizadas podem entrar na mira da ilegalidade. Além de Lucas, outros três cruzeirenses também ficaram feridos em uma suposta “emboscada” que surpreendeu a Polícia Militar

Na análise de Tassi, a grande dificuldade na prevenção e contenção dos confrontos entre as torcidas organizadas dos times belo-horizontinos é a disputa pelo poder – que, segundo ele, ultrapassa o futebol – e a aproximação com a criminalidade. “É inquestionável que o que se dá nessas situações é um mosaico de emoções. Essas pessoas estão levantando uma bandeira, e, às vezes, não é apenas de um time, é de um bairro, é briga de território, é rivalidade de organizações, infelizmente. Essa rivalidade, ela chega em um nível que beira a criminalidade. Quando você concorda em fazer parte disso, você mostra que está disposto a fazer tudo que engrandece o grupo, mesmo que seja matar”, avalia. 

Dentro das torcidas organizadas, os membros se sentem anônimos e podem acabar agindo em um movimento de massa, segundo o pesquisador. “É compreendido por um comportamento de boiada. Se um faz, o outro também faz, e assim todos entraram para a briga. Quando você está ali no meio do grupo, ninguém sabe quem você é, o que marca é o nome da torcida. Então, dá a sensação de anonimato. Não é você, são todos”, afirma.

Tassi reforça que, quando os símbolos são de violência, os torcedores acabam sendo levados a isso. “Existe uma relação de poder. As torcidas se organizam como em uma facção. Se você pegar para ver, os símbolos são de violência, de batalha, de armamento. E elas montam esse confronto, planejam ele. No anonimato, eu me vanglorio do outro estar na pior, quero usurpá-lo, abusá-lo. Isso não é saudável”, continua. 

O especialista dá o exemplo de que, muitas vezes, o torcedor, sozinho, tem medo de andar na rua com a camisa do time. Mas, em grupo, engrandece a coragem por fazer parte de uma organização. “E, aí, desanda. Porque eu preciso mostrar para o outro que eu sou o maior daqui. Para isso, ando armado, uso droga, tomo mais bebida”, diz. 

É por isso, que, diante de mais uma morte de torcedor, o pesquisador alerta para a volta do debate sobre a proibição das torcidas organizadas. “Uma vez que esses torcedores rivais não conseguem existir em equilíbrio, seja dentro do estádio ou fora dele, as tragédias vão continuar acontecendo. Volta-se, então, a debater se não seria a hora de tornar ilegal. Isso já aconteceu em diversos países do mundo e há argumento: pessoas morreram”, afirma. 

MPMG vai avaliar situação das torcidas, mas banir dos estádios já não assusta

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) adiantou que, nesta segunda-feira (4 de março), irá decidir qual medida irá tomar sobre as torcidas da Galoucura e da Máfia Azul. A Máfia Azul está banida de entrar nos estádios de todo o país até dia 15 de março, e o MP já pediu ampliação da proibição por mais dois anos. Mas, na análise de Tassi, a medida não tem surtido efeito. 

“Esses grupos não deixam de se manifestar e, banidos, são empurrados para a marginalidade, ou entram sem vestir os símbolos da organizada. Os estádios também não ficam mais seguros. As famílias continuam se afastando dos estádios por medo”, afirma. 

Jogos simultâneos precisam ser evitados no contexto de rivalidade

Após a morte do cruzeirense no confronto desse sábado (2 de março), a torcida da Máfia Azul do Barreiro, em BH, se manifestou contra a decisão da Federação Mineira de Futebol (FMF) em tornar os jogos do Galo e da Raposa simultâneos na capital. O Atlético enfrentou o Ipatinga, na Arena MRV, e o Cruzeiro, o Uberlândia, no Mineirão. O especialista Jorge Tassi concorda que esse tipo de agenda deve ser evitada ao máximo.

“Esses jogos têm que ser colocados em dias diferentes, no mínimo. Se um sábado, o outro é no domingo, pelo menos. São torcidas rivais com histórico de confrontos. Se já há os jogos clássicos que forçam a interação, nos demais, esse encontro precisa ser evitado. Mesmo com ação da Polícia Militar, os torcedores vão tentar se enfrentar”, afirma.

Na briga que terminou com um morto e três feridos no Barreiro, a PM afirmou ter se surpreendido com uma “emboscada” e que realizou os procedimentos adequados para controlar e abafar a confusão. 

A reportagem entrou em contato com a FMF para entender o porquê da decisão e aguarda retorno.