E LÁ SE FOI DONA AMBROSINA... E, COM ELA, A BELA TRADIÇÃO DAS PASTORINHAS

E LÁ SE FOI DONA AMBROSINA...  E, COM ELA, A BELA TRADIÇÃO DAS PASTORINHAS
Divulgação PMMG

O corpo de dona Ambrosina foi velado no Pão de Santo Antônio, onde ela morou nos últimos três anos. À missa celebrada em sufrágio de sua alma na capela do velho asilo compareceram seus poucos parentes e muitos amigos e admiradores. Entre eles, moças e senhoras que um dia cantaram e dançaram no grupo de pastorinhas que ela criou e manteve por mais de 60 anos. Na hora da encomendação, uma comitiva de moradores da Consolação acercou-se do seu caixão e cantou-lhe bela música de despedida e de agradecimento pela grande ajuda para a construção da igreja do bairro, por ela transformada em verdadeira missão.

Durante a missa, diversas músicas muito bem escolhidas para a ocasião mexiam com a emoção dos presentes. A terna lembrança de dona Ambrosina a dedilhar seu acordeom e comandar as meninas pastorinhas impregnava toda a igreja. Fragmentos do variado repertório de canções, muitas delas de sua autoria ou de domínio público, enriquecidas por ela, misturavam-se às orações e, como que, integravam-se à derradeira celebração eucarística de que ela coparticipava. Ao escutar a homilia do celebrante, em que ele enaltecia a firme atuação de dona Ambrosina nos muitos ambientes em que ela fermentou a fé cristã, emergiram-me na memória alguns trechos de uma entrevista que li, já nem sei onde, em que ela assim falava sobre a morte: “Quando alguém morre, penso: foi?! Eu também vou. Ah, pode falar: a parte real de nossa vida é a nossa irmã morte. Na hora que você nasce você já está morrendo. Deus põe na mão da gente uma vela da proporção da vida que vamos viver. Quando acende a vela, já estamos morrendo”.

No percurso até o cemitério, o préstito de automóveis se arrastava pelas ladeiras da cidade bem devagarinho, como a dar à sua ilustre passageira a oportunidade de despedir-se de cada beco, de cada rua, de cada igreja em que ela e suas pastorinhas cantaram e dançaram, de tantas casas em que entraram para prestar adoração ao Menino Jesus em seu presépio. Pus-me a lembrar da humildade daquela diamantinense. E, mais ainda, de sua retidão e simplicidade. Quantas vezes ela me enviava cartas de agradecimento coroadas por bonitos versos de sua lavra para serem publicadas na Voz de Diamantina. Em lugar de perguntar o preço da veiculação, ela sempre punha dentro do envelope alguma quantia para um pagamento que eu jamais lhe cobraria. E quando seu velho acordeom caiu e quebrou? Não me esqueço do Bueno a contar-me que, ao ouvir os queixumes de dona Ambrosina, prometeu-lhe que ia dar-lhe outro acordeom. Ela então, com sua franqueza, lhe disse que várias pessoas já lhe haviam feito essa promessa. Mas o generoso e simpático gerente da Pousada do Garimpo não apenas cumpriu sua palavra, como ainda lhe providenciou um acordeom mais leve. Muito agradecida, ela perguntou-lhe: “você está dando este acordeom para mim, ou pondo-o apenas à minha disposição”? Ao saber que ele comprara o instrumento para ela e que dele poderia fazer o que bem entendesse, ela respondeu-lhe aliviada: “Que bom! Assim poderei deixá-lo em testamento”!

Alguém já disse que a localização do cemitério de Diamantina é - por si só - um monumento aos seus mortos, guarnecido na linha do horizonte pelo Pico do Itambé, pelas torres das igrejas e pela Serra do Cruzeiro. Naquela tarde, porém, ao arrancar de seu trombone de vara as plangentes notas do Toque de Silêncio, Macena acrescentou à singular paisagem um dos mais preciosos dons que Deus concedeu aos homens, aos pássaros e, de modo especial, à sua dedicada serva Ambrosina.

Inspirados nas palavras finais da homilia de exéquias de padre Dupin, rezemos: Que Deus a tenha, Dona Ambrosina das Pastorinhas! Que Deus a guarde, Dona Ambrosina da Consolação. Que Deus frutifique seus exemplos, Dona Ambrosina de Diamantina!

Joaquim Ribeiro Barbosa “Quincas” - 22/01/2014

Voz de Diamantina - Edição 1114 - 21/01/2023