Casa dos Anjos: ‘A maioria das meninas caiu nesta história por conta das redes'
Garotas de 13 a 17 anos eram aliciadas por influencer; mansão era principal local de abusos
Por LUCAS MORAIS
Nas redes sociais, o influencer Rodrigo Fiuza, 48, exibia uma vida de luxo. Autointitulado recordista de velocidade na volta ao mundo em uma moto e aventureiro profissional, o atleta ostentava festas luxuosas, passeios de lancha e viagens paradisíacas em suas postagens. E, segundo a Polícia Civil, tudo não passava de um chamariz para aliciar e abusar de meninas com idades entre 13 e 17 anos em uma rede de exploração sexual, que contava com a participação de ao menos outras oito pessoas em Belo Horizonte.
Após uma mulher encontrar fotos da filha nua na internet e acionar a corporação, há um ano, o esquema passou a ser investigado. Em novembro, Fiuza e outras três pessoas foram presas: Lorraine Stefany, Leonardo Zambrana e DJ Risk Saraiva.
As investigações apontam que os suspeitos usavam eventos em uma mansão alugada nas proximidades do zoológico, na Pampulha – chamada pelas mães das vítimas de “Casa dos Anjos” – como uma espécie de vitrine. Pelo menos dez vítimas foram ouvidas no inquérito, concluído e repassado ao Ministério Público no fim do ano passado. A promotoria não informou se apresentará alguma denúncia sobre o caso.
Mais vítimas
Além das identificadas pela polícia, o movimento Vítimas Unidas, conhecido por sua atuação em casos como os de Roger Abdelmassih e João de Deus, identificou outras 20 vítimas. “Algumas não querem denunciar. Outras gostariam, só que nem o pai, nem a mãe sabem. E ainda tem o tribunal da internet, que é terrível, e elas acompanham tudo. Inclusive, a maioria caiu nessa história por conta das redes”, explica a presidente do movimento, Maria do Carmo.
Entre as novas vítimas está Mariana (nome fictício). Na época com 15 anos, ela recebeu uma solicitação de Fiuza no Instagram. Após uma semana, se encontraram. “Ele me obrigou a ficar com ele. Falei que não queria. Depois, ainda me levou para a casa da minha mãe. Ficou falando várias coisas, e a gente se viu de novo. Mais uma vez, me agarrou à força”, relata. O ápice dos abusos aconteceu em uma viagem ao Rio de Janeiro. Sem conhecer o mar, a menina aceitou o convite para ir de moto até a cidade, com a autorização do pai, que não saberia a idade do suspeito.
“De uma hora para outra, ele ficou me xingando, falava que eu era idiota de não querer ficar com ele. Liguei desesperada para o meu pai, que mandou ele me trazer. Quando chegamos, ele questionou o que um homem de quase 50 anos fazia com uma menina de 15”, enfatiza. Segundo a jovem, Fiuza gostava de dar presentes e fez várias promessas. “Era uma pressão psicológica, falava que eu estava com o Rodrigo Fiuza, que tinha que dar mais valor”, lembra.
Mariana foi convidada para participar das festas na Pampulha. “Mantivemos contato por um mês, mas nunca fui. Já imaginava que ele fazia isso com outras meninas. Arrasou meu psicológico, tive depressão”, lamenta.
Aliciadora fingia ser amiga das vítimas
Uma das principais peças do esquema de exploração sexual era Lorraine Stefany, 20. Conforme o Vítimas Unidas, ela aliciava a maioria das meninas. “Ela se envolveu com o Rodrigo Fiuza aos 15 anos e depois passou, segundo uma funcionária dele, a procurar essas meninas. Ela se passava por menor de idade, dormia na casa delas, se fazia de amiga e depois pressionava”, explica a presidente do movimento, Maria do Carmo.
Para manter a rede de exploração, Lorraine as ameaçava. “Dizia que ia publicar coisas, que elas não podiam denunciar. Era um trabalho de convencimento para que elas continuassem nisso”, diz.
Nas festas, conhecidas como “Quartitas” e “Sextitas”, as jovens bebiam e eram drogadas. “Esses eventos serviam mais para trazer novas meninas. Os empresários com dinheiro para pagar os programas não iam a esses locais. Não há dúvida que Lorraine fazia esse trabalho sujo”, segue Maria do Carmo. Já Leonardo Zambrana, segundo ela, era amigo de Fiuza e fazia documentos falsos para as vítimas.
Para a presidente, todas as pessoas que conviviam com Fiuza sabiam dos abusos. “O Rodrigo nunca ficava com meninas com mais de 18 anos”, frisa.
Menina engravida aos 13 anos
Aos 13 anos, em março passado, Maria (nome fictício) começou a frequentar as festas promovidas por Rodrigo Fiuza em uma casa alugada na Pampulha, em Belo Horizonte.
Convidada por amigas, a menina teve o primeiro contato com drogas em um dos eventos. “Tudo que você pedia, eles te arrumavam”, lembra. Em uma das ocasiões, a adolescente diz que chegou a perder a consciência. Foi quando, segundo a garota, o DJ Risk Saraiva, 45, e Fiuza teriam abusado dela sexualmente.
“No dia em que fui abusada, não sabia de nada por estar muito drogada. Então continuei indo às festas dele”, afirma. Pouco depois, ela descobriu a gravidez.
“Eu contei para o Rodrigo primeiro, porque eu achava que o filho era dele. Foi quando ele me contou que podia ser do Risk também, que teria comentado que ficou comigo. Ainda falou coisas escrotas”, conta. “Perguntei pra minhas amigas, e elas confirmaram que o Risk ficou comigo quando eu não estava consciente”, acrescenta a jovem.
Fiuza ofereceu a Maria um remédio para que ela fizesse um aborto. “Eu quis fazer, pois era muito nova, não sabia se conseguiria cuidar da minha filha”, enfatiza. Mas, com o apoio da mãe, ela resolveu ter o bebê.
Após perder 10 kg depois que começou a usar loló nas festas de Fiuza, Maria deu à luz a filha, que nasceu prematura. Para comprovar a paternidade, foi feito um exame de DNA – não havia resultado até o início da semana.
Moradora da periferia e de origem humilde, Maria tem passado por dificuldades por conta da situação financeira da família. O movimento Vítimas Unidas chegou a promover uma ação para tentar ajudar a menina. E, com todas as dificuldades, Maria ainda tem uma nova preocupação: o pai de sua bebê, DJ Risk Saraiva, teve a prisão revogada pela Justiça há cerca de três semanas. “Eu não confio nele, para ele fazer algo comigo não custa nada”, diz.
De acordo com a delegada Renata Ribeiro, a adolescente já foi ouvida, e a Polícia Civil aguarda o resultado de uma perícia que comprovaria os abusos. Sobre a saída do DJ da prisão, a policial orientou a vítima a comparecer novamente à delegacia caso sofra qualquer ameaça. “A liberdade dele é provisória, e ele vai responder pelo crime que foi imputado a ele (estupro de vulnerável”, enfatizou a delegada.
Delegada: é essencial denunciar
A delegada Renata Ribeiro enfatiza que nenhuma das 20 novas vítimas que procuraram o movimento Vítimas Unidas fez uma denúncia formal. “Estamos tentando fazer contato. Fazer relatos nas redes sociais e procurar o amparo das Vítimas Unidas é importante para incentivar outras a denunciar, só que elas precisam nos procurar para que possamos tomar providências”, alega.
De acordo com a delegada, nove pessoas já foram indiciadas. Além de exploração sexual, há indiciados por delitos como estupro de vulnerável e por fornecer substâncias que causam dependência.
“São crimes que não dependem do consentimento da vítima. O adulto está aliciando e incentivando a fazer práticas sexuais, por exemplo, mediante uma retribuição. Tudo isso é uma forma de explorar o corpo da menina”, finalizou.
A presidente do movimento Vítimas Unidas, Maria do Carmo, se diz assustada com o aumento das cenas de sexo com menores em sites clandestinos. “Cada vez que sai algo sobre esse assunto que ganha repercussão, aparece alguém que já viveu uma situação parecida”, relata.
A delegada Renata Ribeiro também identificou redes sociais em que fotos das meninas eram divulgadas. “Os donos das páginas também foram alvos da ação. E ainda encontramos pornografia que não dizia respeito a essas meninas”, explica.
Dados do Estado mostram queda de prisões por crimes ligados ao abuso infantil, como o estupro de vulnerável, de 767, de janeiro a novembro de 2019, para 608, no mesmo período de 2020. Um dos motivos pode ser a dificuldade de denunciar devido ao isolamento durante a pandemia.
Advogados
A defesa de Rodrigo Fiuza não tinha se pronunciado até a conclusão desta matéria. Os advogados de Lorraine Stefany e Risk Saraiva não foram localizados.
Já Rodrigo Suzana, que defende Leonardo Zambrana, disse, em nota, que o caso corre em segredo de Justiça, mas que “em breve a verdade sobre o que eventualmente ocorreu” vai aparecer, o que vai “afastar por completo a participação de Leonardo em qualquer esquema criminoso”.
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