Vacinação contra covid: Por que municípios não aplicam toda vacina enviada por governo federal?

Por Matheus Magenta Da BBC News Brasil em Londres 26/04/2021 Atualizada em 26/04/2021

Vacinação contra covid: Por que municípios não aplicam toda vacina enviada por governo federal?
Atualmente, é possível encontrar pelo menos cinco números diferentes sobre o andamento da vacinação em cada estado brasileiro sem que nenhuma dessas fontes de informação esteja exatamente correta por causa de atrasos no registro e na transmissão dos dados Imagem: Getty Images

O vacinômetro do governo federal apresentava dois números na manhã de 21 de abril: 53,7 milhões de doses distribuídas e 33,8 milhões aplicadas, sendo 24,8 milhões de primeira dose e 9 milhões de segunda dose.

Mesmo tendo em vista que 15 milhões de pessoas ainda precisam receber a segunda injeção, a diferença de 20,3 milhões de doses entre doses distribuídas e aplicadas alimentou rixas políticas e acusações sobre supostas vacinas estocadas.

A proporção de doses aplicadas varia bastante de um estado para outro, de 48% no Rio de Janeiro a 96% em Roraima, segundo dados do Ministério da Saúde.

A discrepância levou a Procuradoria-Geral da República a pedir oficialmente explicações aos 27 governadores.

A BBC News Brasil procurou todos os estados e o Distrito Federal para esclarecer a diferença numérica entre doses distribuídas aos governos estaduais e aplicadas pelos municípios.

Há diversas explicações, entre elas:

  • Doses reservadas para a segunda aplicação, mesmo com a mudança de orientação do Ministério da Saúde para não realizar mais reservas
  • Demora no trânsito da vacina, do envio do governo federal, passando pela distribuição dos estados e até chegar a unidades de saúde dos 5.570 municípios
  • Demora na aplicação das vacinas nos municípios
  • Números desatualizados de cidades que aplicaram as doses, mas ainda não inseriram os dados no sistema
  • Vacinas reservadas para eventuais perdas em caso de acidentes ou falta de energia elétrica, por exemplo

Há estados, inclusive, que adotaram medidas para acelerar a vacinação, como a Bahia. Segundo a Secretaria de Saúde do estado, os municípios só recebem novas remessas de vacina caso tenham aplicado 85% das doses entregues antes. "Isto foi fundamental para estimular os gestores municipais a vacinarem rapidamente, tendo em vista o receio de ficarem sem acesso as doses das novas remessas."

O governo do Rio de Janeiro, por outro lado, fala em atraso na notificação das vacinas aplicadas e diz que não adota medidas punitivas contra municípios para estimular a aceleração da vacinação ou o registro das aplicações.

O Paraná lançou duas campanhas para incentivar os municípios, uma de vacinação inclusive aos finais de semana e outra até meia-noite. No Maranhão, o governo estadual ampliou as equipes de vacinação em municípios com menos de 50 mil habitantes.

Minas Gerais, por outro lado, decidiu abrir mão da reserva de 5% das doses para casos de perdas e ampliar a oferta nos municípios.

Reserva para segunda dose

No fim de fevereiro, ainda na gestão Pazuello, o Ministério da Saúde divulgou uma orientação para estados e municípios reservarem as doses referentes à segunda aplicação do imunizante Coronavac. O objetivo era evitar problemas em caso de atrasos na produção pelo Instituto Butantan, feita a partir de insumos importados da China.

Um mês depois, a pasta decidiu mudar a orientação e liberou a aplicação de todas as doses distribuídas, sem necessidade de reserva para a segunda aplicação. A mudança ocorreu por causa de uma "garantia da estabilidade na entrega semanal de doses produzidas no Brasil".

Mas nem todos os estados seguiram a nova orientação.

O governador do Piauí e presidente do Fórum de Governadores do Nordeste, Wellington Dias (PT), tem afirmado que os gestores temem a falta de imunizantes para a segunda aplicação, dado que o número de doses previstas para abril é menor do que o de março.

Em ofício enviado ao ministro da Saúde em 08/04, ele afirma que pretendia "expor preocupação" sobre o cronograma de entregas. "Estaremos juntos por mais vacinas para a primeira dose, mas é importante completar a imunização com aplicação da segunda dose." Estudo divulgado recentemente no Chile apontou que a eficácia da primeira dose da Coronavac contra mortes por covid é de 40%. Com as duas doses, passa a 80%.

O intervalo entre a aplicação das duas doses da Coronavac pode variar de 14 a 28 dias, e da AstraZeneca-Oxford, de 4 a 12 semanas.

No caso do Espírito Santo, o governo estadual decidiu só enviar os imunizantes pouco antes de cada aplicação correspondente. A estratégia visa "garantir tempo oportuno da imunização da população e a organização das ações de vacinação das cidades", enviando aos 78 municípios capixabas o quantitativo referente à segunda dose na terceira semana para a Coronavac e na 11ª semana, para Covishield (AstraZeneca-Oxford). O Pará adota estratégia semelhante.

Para o governo baiano, o risco de aplicar o que tiver disponível sem fazer reservas é ter que começar tudo de novo. Com a mudança, "o Ministério da Saúde tem a obrigação de garantir a segunda dose em tempo hábil, sob risco de reduzir ou anular o efeito da primeira dose e ter que imunizar novamente o mesmo público."

O Rio Grande do Sul afirmou seguir à risca as orientações do Ministério da Saúde, que determina a cada envio de vacinas para os estados a quantidade que deve ser aplicada como primeira dose e reservada para segunda dose.