Guerra: Número de refugiados na Ucrânia pode superar população de 69 países

Guerra: Número de refugiados na Ucrânia pode superar população de 69 países
Famílias deixam a Ucrânia rumo a países vizinhos Foto: ATTILA KISBENEDEK / AFP

 

 

 

 

Por SIMON NASCIMENTO

 

Até que se costure um acordo capaz de encerrar os ataques russos, cerca de 4 milhões de pessoas devem fugir da Ucrânia para se proteger da guerra. A estimativa é da Agência para Refugiados da Organização das Nações Unidas (Acnur). O número representa cerca de 10% do total de ucranianos e estrangeiros que vivem no país e supera a população total de 69 nações do mundo como Uruguai, Jamaica e Eslovênia.

Até a última sexta-feira foram contabilizados 1,2 milhão de cidadãos fugindo das imediações de Kiev, conforme a ONU. Os principais destinos são os locais a oeste da Ucrânia: Polônia, Romênia, Moldávia e Hungria. No entanto, há um pequeno grupo que seguiu pelas fronteiras do leste em direção à Rússia.

“Certamente a situação na Ucrânia vai gerar um impacto humanitário muito relevante. Pessoas mais experientes e até o nosso Alto Comissário (Líder da Acnur) nos disse que nunca viu uma velocidade tão grande de pessoas fugindo em curto espaço de tempo”, disse o porta-voz da Acnur no Brasil, Luiz Fernando Godinho. 

Ele pondera que a situação se assemelha às crises humanitárias enfrentadas na Síria, Afeganistão e Venezuela.  A prioridade inicial é acolher as pessoas em abrigos estruturados nas fronteiras da Ucrânia. “São os locais em que estão chegando e precisam ser acolhidos para ter o mínimo de condição para enfrentar esse deslocamento forçado”, assinala.

O porta-voz destacou que a União Europeia facilitou os mecanismos de proteção temporária para que os refugiados da Ucrânia consigam se manter nos países até que a situação se restabeleça. Além dos 4 milhões que devem buscar refúgio, a ONU prevê que 12 milhões de cidadãos ucranianos, que optaram ou não puderam deixar o país, vão precisar de ajuda humanitária. “São pessoas que desejaram ficar, mas pela situação vão ter necessidades”, apontou.

Frustração

Para quem precisou abandonar a vida em busca de proteção, o sentimento é de frustração, devido à vida e planos abandonados, e de medo. O goiano Gabriel Costa, de 25 anos, mudou-se definitivamente para Kiev em 2019. Por lá, ele conseguiu um bom emprego, construiu uma rede de amizade e conheceu o atual namorado.

No entanto, ao fugir do país na semana passada, precisou abandonar tudo. Contudo, o companheiro, familiares e amigos - todos ucranianos - não puderam deixar o país pela obrigação de serviço militar ou não quiseram por motivos familiares.

“Você deixa para trás uma vida. Deixa sonhos, projetos. Eu tinha meu apartamento e tudo ficou para trás sem saber se voltará a ser como antes”, contou à reportagem. Gabriel conseguiu, junto com uma amiga, abrigo em uma casa de conhecidos em Berlim após seis dias de viagem.

Desde então mantém contatos diários com quem ficou em Kiev, além de acompanhar os noticiários. “É muito triste não só por quem ficou lá. Mas acordar e descobrir que o prédio que você tomava café foi destruído e que caiu uma bomba no parque de passeio é muito doloroso”, relata. 

No momento, o principal desejo é assistir ao fim da guerra com uma vitória dos interesses ucranianos para retornar e ajudar a reconstruir o país. “Se tem uma coisa que os ucranianos estão decididos é voltar e fazer da Ucrânia o melhor país do mundo”, enfatizou. 

Política econômica 

Com a movimentação de milhões de refugiados, os países europeus deverão se preparar para integrá-los ao mercado de trabalho. “O acolhimento é uma situação imediata, mas será necessária uma atuação de não só receber essas famílias, mas de criar oportunidades para que possam se reintegrar dentro da sociedade”, analisa o professor de Marketing Internacional da Fundação Getúlio Vargas, Ulysses Reis.

Ele cita como um grande desafio o idioma dos ucranianos, mais próximo aos russos, além de aspectos culturais que diferem-se de outros países. O docente diz que o histórico crescente de refugiados no mundo está ligado a guerras. Entretanto, também envolve motivos econômicos e perseguições religiosas.

“A melhor forma de evitar essa movimentação seria dar melhor condição de vida. A maioria das pessoas não migra porque está feliz, mas sim porque existem sérios problemas para aquela geração e dos filhos”, acrescenta Reis. 

Uma sensação que acompanha os refugiados, independente da região de onde saem, é de que não terão uma segunda chance, ressaltou Ulysses. “É alguém que só tem a primeira chance e vai lutar de todas as maneiras, aceitar todos os tipos de emprego e fazer de tudo para se manter e desenvolver”, detalhou o professor. 

O porta-voz da Acnur Brasil, Luiz Fernando Godinho, diz que as populações de países que recebem quem precisou fugir devem compreender a situação e auxiliá-los. “É preciso ter um entendimento de que os refugiados são forçados a deixar o seu país. São pessoas que precisam de uma oportunidade de recomeço e de entendimento e solidariedade”, pediu. 

Doações 

A ONU está arrecadando doações financeiras para ajudar no acolhimento dos refugiados. Quem mora no Brasil pode direcionar a ajuda por meio do site www.acnur.org.br. Podem ser enviadas quantias de qualquer valor.